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A Negligência da Segurança Nacional Brasileira

Atualizado: 9 de set. de 2023

Francisco Novellino*



Publicado no Blog MAR & DEFESA em 19/12/21


Resenha sobre artigo acadêmico No power vacuum: national security neglect and the defence sector in Brazil - Raphael C. Lima, Peterson F. Silva & Gunther Rudzit (2021)**, Defence Studies, 21:1, 84-106, DOI: 10.1080/14702436.2020.1848425.

Link para o artigo: https://doi.org/10.1080/14702436.2020.1848425, disponível na versão original em Inglês no portal Taylor & Francis Online, seção Defence Studies Journal.


Imagem editada a partir da original em https://brasilturis.com.br/brasil-restringe-fronteiras-e-proibe-voos-de-tres-paises-entenda/ - publicada em 27/01/21. Acesso: 17/12/21.



RESUMO (do artigo original)

Este artigo analisa a relação entre a elaboração da política de segurança nacional e o setor de defesa. O objetivo é entender como a falta de atenção à formulação da política de segurança nacional afeta o setor de defesa e vice-versa, utilizando o Brasil como estudo de caso. Nosso principal argumento é que a falta de atenção na formulação da política de segurança nacional pelas elites civis pode enfraquecer os controles políticos sobre as Forças Armadas, inibir reformas de defesa eficazes que desafiam prerrogativas militares e, com o tempo, reforçar a militarização na formulação da política de segurança nacional, especialmente em seus três principais pilares: defesa, inteligência e segurança pública. Chamamos este processo de negligência na segurança nacional. Nosso estudo de caso mostra que à medida que os desafios de segurança interna cresceram em complexidade, as elites político-civis pressionaram os militares a lidar com a segurança pública, a segurança das fronteiras e a elaboração de políticas de segurança nacional. Os civis também delegaram postos civis às Forças Armadas na defesa, segurança pública e inteligência, ao invés de se engajarem em reformas mais amplas. Isso levou a um ciclo vicioso de dependência militar, deteriorou os já frágeis controles políticos sobre as Forças Armadas, inibiu reformas de defesa, e aumentou o papel dos militares no Estado e na sociedade.

RESENHA


Os autores conceituam a falta de atenção na formulação da política de segurança nacional pelas elites civis como negligência da segurança nacional, que poderia afetar a defesa nacional devido a três fatores: a) enfraquecimento dos controles políticos sobre as Forças Armadas; b) inibição de reformas de defesa eficazes que desafiam prerrogativas militares; c) aumento, com o tempo, da militarização na formulação da política de segurança nacional, especialmente em seus três principais pilares: defesa, inteligência e segurança pública. Em contrapartida, evidenciam como um setor de defesa pouco controlado politicamente e distante da população civil afeta a formulação da política de segurança nacional. O artigo se propõe a fornecer uma visão da relação entre a formulação da política de segurança nacional e o setor de defesa, utilizando o Brasil como um estudo de caso.


De acordo com os autores, a literatura sobre a organização militar na América do Sul tem se concentrado principalmente nos problemas da reforma do setor de defesa e dos controles democráticos. Existem poucos estudos sobre as reformas da segurança nacional, e sobre como isso afetou o setor de defesa. Apontam exemplos de várias avaliações contemporâneas que analisaram o estado atual do setor de defesa, utilizando diferentes estudos de casos como Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Paraguai, Uruguai e Venezuela. Segundo o artigo, os autores desses estudos tendem a argumentar que a política de defesa não tem sido uma prioridade para os líderes políticos sul-americanos e, por sua vez, estes países têm, em sua maioria, militarizado burocracias de defesa, com pouca expertise civil. Outros estudos sugerem que a autonomia militar tem sido uma característica regional comum desde as transições democráticas e, em vez de lidar com ela, as autoridades civis voluntariamente pressionaram os militares a se envolver em questões de segurança interna, elevaram o poder de negociação dos militares, e levaram a um ressurgimento das forças armadas na política interna.


O artigo menciona que, embora estes estudos estejam corretos em sua avaliação, ressalva que eles tratam de apenas metade da questão. A literatura considera a falta de atenção ao setor de defesa e de elaboração de políticas de segurança nacional um problema, mas não expande para possíveis relações causais entre ambas, sendo o objetivo do artigo preencher essa lacuna na literatura especializada, sob a premissa de que se os estados sul-americanos tivessem setores de defesa civis, eficazes, eficientes e controlados democraticamente, as autoridades civis desses países ainda delegariam responsabilidades para os militares.


A propósito dessa suposição, cabe mencionar a percepção de George Hebard Maxwell, autor de Our National Defense - The Patriotism of Peace, que já identificava, durante o envolvimento dos EUA na I Guerra Mundial, algumas categorias de defensores da paz, em oposição à corrente dos militaristas. Antevendo a crescente militarização do seu país - que se revelaria verdadeira a partir da II Guerra -, escreve Maxwell:


"Os defensores da paz não apresentam nenhum plano para a defesa nacional em caso de guerra. Eles delegam aos militaristas [grifo nosso] as providências necessárias para essa contingência. Os militaristas, por sua vez, não apresentam nenhum plano adequado para a defesa nacional..."


O quadro identificado por George Mawwell, nos Estados Unidos dos anos 1910, não é muito diferente do que ocorre no Brasil atual. Os autores de "No power vacuum..." descrevem o que ocorreu após o Regime Militar:


"Em 1985, o Brasil entrou em uma nova fase de transição democrática, após 21 anos de regime militar autoritário (1964-1985). A nova Constituição, assinada em 1988, deveria estabelecer uma nova relação entre a vida político-civil e militar. No entanto, ... as elites civis brasileiras - o Presidente, ministros, membros do Congresso, presidentes de comissões parlamentares, servidores em altos cargos - não se envolveram o suficiente em esforços coordenados para reformar a segurança nacional, mantendo, portanto, prerrogativas militares na defesa e na segurança. Esperava-se que as elites civis coordenassem a segurança nacional; aumentassem a eficiência das Forças Armadas, das forças policiais e das agências de inteligência; proporcionassem o uso eficiente de recursos; e estabelecessem um controle político sobre as agências de segurança. Ao não fazerem isso, elas negligenciaram a criação de políticas de segurança nacional. Assim, à medida que os desafios de segurança interna cresceram em complexidade, as elites civis delegaram mais responsabilidades para os militares nas áreas de segurança pública e inteligência. [grifo nosso].


Com relação ao quadro pós-Constituinte detalhado acima, caberia ainda mencionar que a Assembleia Constituinte decidiu, de forma precipitada, suprimir todo um título que remetia à Segurança Nacional (Título V, arts. 89 a 91) possivelmente com a intenção de lhes conferir uma feição mais “democrática”, seguindo a tendência observada à época. Perdeu-se, assim, uma grande oportunidade para introduzir um conceito moderno de Segurança Nacional na Carta Magna, compatível com as responsabilidades do Estado na defesa das instituições, da sociedade e do regime democrático de direito. A favor dos militares, pesa o fato de que compete às Forças Armadas garantirem a estabilidade nacional em casos de crise político-institucional, além da sua missão precípua de dissuadir ou defender o País de agressões externas. Embora não seja desejável que os militares liderem a elaboração de políticas de defesa ou de segurança, deve-se por outro lado reconhecer que não podem ficar inativos, nos casos em que o poder político não exerça o papel que lhe compete.


A proposta do artigo é a de que as omissões e fragilidades apontadas devam, em geral, ser enfrentadas através de uma política de segurança nacional coerente e de cooperação inter-organizacional, respeitando ao mesmo tempo os controles e a fiscalização democráticos. Alerta ainda para um provável insucesso nas reformas da defesa, bem como efetividade limitada em outras reformas no setor de segurança, caso não se privilegie a formulação de políticas de segurança nacional. Identifica a existência, no Brasil, de um problema de segurança nacional mais amplo e subexplorado, e que pode ser o elo que falta para a governança democrática do setor de defesa. Ao longo do trabalho os autores procuram sustentar esse argumento por meio da proposta de uma estrutura tripla para a análise da política de segurança nacional baseada em estudos nas áreas de relações civil-militares, governança do setor de segurança e estudos de defesa. Para eles, o setor de defesa deve ser tratado como um componente de um setor de segurança mais amplo.


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* Autor da resenha: Francisco E. N. Novellino, editor do blog, administrador do site e coordenador do fórum MAR & DEFESA.


** Autores do artigo original: Prof. MsC. Raphael C. Lima, Departamento de Estudos de Guerra, King's College London/Reino Unido; Prof. Dr. Peterson F. Silva, Escola Superior de Guerra, Brasília/Brasil; e Prof. Dr. Gunther Rudzit, ESPM, São Paulo/Brasil.

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