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BLOG MAR & DEFESA

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Análise dos "Subsídios para a Transição - Defesa Nacional", da AFIPEA*

Atualizado: 9 de set. de 2023

Publicado no blog MAR & DEFESA em 31 de janeiro de 2023


* Participaram da análise do documento da AFIPEA:


- Francisco Novellino (Cordenador) - Capitão de Mar e Guerra reformado (Marinha do Brasil), Mestre em Ciências Navais pela Escola de Guerra Naval, Mestre em Política e Estratégia Militares pela Escola Superior de Guerra. Editor do Blog MAR & DEFESA;

- Flavio Jasper - Coronel Aviador reformado (Força Aérea Brasileira), Bacharel em Ciências Econômicas pela UFSC, Pós-Graduado (lato-sensu) em Orçamento Público pela FGV e em Energia pela COPPE-RJ, e Doutor em Ciências Aeroespaciais pela Universidade da Força Aérea (UNIFA). Professor titular da UNIFA;

- Antônio dos Santos - Coronel da Reserva do Exército Brasileiro, diplomado no Curso de Estado Maior pela ECEME, Mestre em Segurança Internacional e Defesa pela Escola Superior de Guerra (ESG), Analista de Geopolítica, Segurança e Defesa do Centro de Estudos Estratégicos da ESG, Membro do Grupo de Pesquisas do CNPq - Design de Jogos, Processo Decisório e Cenários Prospectivos;

- Ronaldo Ferreira - Analista de Licitações no segmento de segurança e defesa e consultor em segurança pública para entes públicos e privados. Formado em ciências contábeis pela UFRJ, pós-graduado em políticas públicas e indústria de defesa pela UFF;

- Rodrigo Campos - Empresário e executivo com mais de 25 anos de atuação nos setores engenharia, tecnologia e defesa, responsável por projetos na área logística de material aeronáutico e bélico. É sócio-fundador das startups InsurBids Tecnologias de Seguros e do Banco Inteligente de Defesa e Segurança do Brasil, ambas com foco e atuação do Setor de Defesa e Segurança.


EM NOVEMBRO DO ANO PASSADO (2022) foi publicado, no site da Associação dos Funcionários do IPEA - AFIPEA -, o documento "Subsídios para a Transição - Grupo Técnico Defesa", o qual se propunha apresentar, ao então grupo técnico de transição de governo, recomendações de reformas para o setor. O documento fez parte do conjunto de subsídios elaborado por servidores e colaboradores do IPEA, divididos por temáticas, de acordo com a formação dos grupos técnicos. É assinado por Rodrigo Fracalossi de Moraes, o qual consultou especialistas civis e militares em defesa.



O documento foi estruturado em duas seções: 1. Diagnóstico; 2. Propostas por subárea. As subáreas selecionadas foram: Defesa e relações exteriores, Estado e Forças Armadas, Logística, Gestão e Pessoal Militar, Governança e Controle, e Sociedade e Forças Armadas.


O presente artigo pretende analisar o documento sob a ótica do que entendemos ser positivo para a Defesa Nacional. Iremos iniciar a análise destacando, na Seção 1 do documento, os dois objetivos propostos. Em seguida, iremos reproduzir e comentar as considerações feitas pelo documento sobre as cinco subáreas elencadas na Seção 2.


I. ANÁLISE DOS OBJETIVOS EXPLICITADOS NA SEÇÃO 1


O autor menciona que "realizar reformas no setor de defesa tem dois objetivos principais", a seguir explicitados:


Objetivo 1. Aprimorar o desempenho das Forças Armadas, com foco no aumento da efetividade e da eficiência. Para tanto, é necessário um sistema que garanta o constante aprimoramento em três áreas: i) conduta operacional das Forças Armadas (e.g., comando e execução de operações militares); ii) pessoal militar (e.g., recrutamento, treinamento, administração de pessoal); e iii) gestão técnica e administrativa (e.g., orçamento, compras públicas, manutenção).


Comentário: Estamos de acordo com o objetivo proposto, com a ressalva de que não apenas deve-se buscar o aprimoramento do desempenho das Forças Armadas, mas do sistema de defesa como um todo. Uma outra ressalva é que o item iii) deveria destacar a "gestão logística", dada a sua abrangência e relevância, que extrapola em muito o conceito de "gestão administrativa". A gestão logística é um "calcanhar de Aquiles" que precisa ter maior prioridade na reorganização das FFAA, haja vista o exemplo recente da Ucrânia na guerra contra a Rússia.

Objetivo 2. Garantir padrões elevados de '"accountability" e integridade institucional, os quais requerem um sistema de governança compatível com as instituições democráticas, o estado de direito, e o respeito aos direitos humanos... Um sistema de governança mais transparente, responsivo e inclusivo ampliaria a legitimidade e credibilidade do setor de defesa, contribuindo para que as Forças Armadas não venham a ser identificadas com um governo ou partido político específico, podendo, assim, melhor cumprir a sua função de proteger o Estado e a sociedade.


Comentário: Aparentemente, o objetivo proposto visa proteger as Forças Armadas como instituições de Estado, bem como garantir que suas ações se restrinjam ao cumprimento de sua missão constitucional, dentro dos limites impostos pela própria Constituição - o que é positivo. No entanto, a república presidencialista brasileira tem criado condições, desde sua gênese, para que a obtenção desse objetivo seja dificultada, o que encontraria um ambiente melhor caso fosse adotado o regime parlamentarista, sendo o Presidente da República (ou um eventual Monarca) o Chefe de Estado e Comandante Supremo das Forças Armadas, deixando as questões temporais de governo e política partidária com o Primeiro-Ministro. Além disso, a atual redação do artigo 142 da Constituição Federal, bem como da Lei Complementar 097/99 deixam margem para que as Forças Armadas atuem de forma difusa em situações institucionais instáveis. Quanto às expressões "respeito aos direitos humanos" e "sistema de governança... inclusivo", não conseguimos identificar qual foi a percepção ou a condição desfavorável vislumbrada pelo autor, o que dificulta a análise de uma eventual implementação dessas mudanças.


II. ANÁLISE DAS PROPOSTAS POR SUBÁREA DA SEÇÃO 2


Subárea: DEFESA E RELAÇÕES EXTERIORES


1. Retomar, de forma substancial, a participação do país em operações de paz das Nações Unidas, atuando, para tanto, em conjunto com o Ministério das Relações Exteriores (MRE), e sob supervisão das comissões de Relações Exteriores e Defesa do parlamento.


Comentário: Faltou evidenciar os objetivos pretendidos com a medida. É verdade que as Forças Armadas geralmente se beneficiam com participações em Forças de Paz, ou qualquer outro emprego onde estejam presentes forças internacionais, especialmente no que tange ao contato com sistemas de armas mais modernos e diferenciados, ou à possibilidade de atualização de doutrinas de emprego. Por outro lado, o envio de pessoal ao exterior desfalca as forças para emprego nos treinamentos e missões consideradas prioritárias para a Defesa Nacional (embora seja um elemento motivador para os militares selecionados para compor os contingentes no exterior). Entende-se que, embora alguns tratados internacionais de que o Brasil é signatário obriguem ao País enviar militares ao exterior, o Ministério da Defesa e o MRE devem avaliar em conjunto o custo-benefício de enviar contingentes para missões internacionais. As missões de Força de Paz devem atuar em teatros de operações que interessem ao Brasil, como no seu entorno estratégico, onde temos interesses econômicos relevantes, ou em cenários muito semelhantes àqueles onde as Forças brasileiras atuariam em caso de conflito envolvendo o Brasil.


Em suma, o que deve ser priorizado é o preparo das Forças Armadas para executarem operações em prol do interesse nacional! A execução da missão em si não projeta poder como alguns pensam, devendo contribuir para a estratégia brasileira de dissuasão!


2. Recriar, em conjunto com o MRE, um espaço de cooperação em defesa e segurança na América do Sul. O objetivo é fortalecer a confiança mútua, ampliar a realização de exercícios militares conjuntos, solucionar problemas comuns de segurança, e desenvolver conceitos que reflitam as necessidades de defesa e segurança sul-americanas. Comissões bilaterais entre o Brasil e outros países sul-americanos se mantiveram ao longo dos últimos anos, mas há necessidade de uma base institucional que coordene as ações regionalmente. Pelas mesmas razões, e também pela importância de se conservar a Floresta Amazônica, sugere-se a inclusão de atividades de cooperação em defesa e segurança no escopo da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA).


Comentário: Evidentemente, a cooperação nos assuntos de defesa entre os entes sul-americanos é importante para a segurança do Brasil, porém a confiança e cooperação em defesa pode ser mais trabalhada a partir das relações bilaterais que o Brasil mantém com seus vizinhos, inclusive quanto a segurança e defesa, relações estas de longo tempo e já estabelecidas em confiança e cooperação.


Trabalhar as questões de defesa e segurança de forma institucional, em organizações e mecanismos como a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) ou União das Nações Sul-americanas (Unasul), não necessariamente favorece o aprimoramento desses temas para o País em relação a seus vizinhos; tais organismos construídos com propósitos e interesses específicos já abordaram em espaços internos de debates os temas de segurança e defesa referentes à região amazônica e à cooperação sul-americana, quanto a inteligência e defesa, todavia sem ter apresentando avanço prático.


Trabalhar os temas de defesa e segurança de forma bilateral permite ao Brasil abordar esses temas de forma especifica com cada um dos seus vizinhos, com isso elaborando soluções específicas para cada problema, a exemplo dos 1.645 km de fronteira entre Brasil e Colômbia, em que a densidade populacional é baixa e a fronteira está afastada dos grandes centros em ambos os lados. Existem nessa área três fontes de insegurança: o conflito armado na Colômbia e as interações estabelecidas com ele a partir do Brasil; os vínculos irregulares em ambos os lados com o problema do narcotráfico; e o crime transfronteiriço. No caso da fronteira do Brasil com o Paraguai, os 1.290 km de contato tem uma maior densidade populacional, contando com centros populacionais relevantes em ambos os lados, inclusive com contato na fronteira, casos de Foz do Iguaçu – Ciudad del Este, e Ponta Porã – Pedro Juan Caballero, o que traz dificuldades para combater o narcotráfico, contrabando e demais crimes transfronteiriços, não existindo conflito armado similar ao caso colombiano.


Portanto, em que pese haver problemas similares, existem especificidades que só podem ser melhor trabalhadas de forma bilateral entre os atores envolvidos, e realmente interessados nas soluções. A multilateralidade pressupõe a percepção de ameaças e problemas a serem vencidos em conjunto, comuns a todos os países abrangidos pelos tratados, a exemplo da União Europeia e do Mercosul.



Subárea: ESTADO E FORÇAS ARMADAS


3. Elaborar um plano voltado a remover do campo de atuação das Forças Armadas funções e atribuições não relacionadas à defesa (ou que possuam uma relação apenas tangencial com a defesa). Dois exemplos são o Programa Calha Norte e operações de combate a crimes ambientais. As Forças Armadas devem prover apoio logístico a programas, projetos e operações como estes, mas sua gestão deve ser realizada, preferencialmente, por instituições e profissionais especializados nos temas em questão. O objetivo é racionalizar o setor de defesa, reduzir as chances de perda de foco na atuação de seus profissionais (civis ou militares), e gerar instituições robustas e especializadas. Excetuam-se, é claro, os casos nos quais os custos seriam por demais elevados ou se produziriam deficiências na prestação de serviços essenciais. De forma geral, devem ser evitadas operações pontuais pelas Forças Armadas em áreas não relacionadas à defesa, as quais dificultam a institucionalização das ações do Estado por meio de uma burocracia robusta e permanente.


Comentário: Estamos de acordo com a proposta; quanto mais focadas estiverem as Forças Armadas no preparo de seus efetivos para emprego em combate, mais eficácia haverá numa situação real de conflito. Além disso, o efetivo de militares de carreira poderá ser reduzido, eliminando-se dos quadros das forças o pessoal hoje envolvido em tarefas não essencialmente militares. Uma ideia que poderia contribuir com os objetivos pretendidos pela proposta seria criar, na estrutura do MD, secretarias estratégicas - dirigidas por oficiais-generais veteranos -, para cuidar de assuntos marítimos, aeroespaciais e terrestres que não sejam de natureza essencialmente militar, embora digam respeito a Segurança e Defesa nacionais. A transferência dessas atividades para as novas secretarias iria aliviar os comandos das forças de assuntos não diretamente relacionados ao preparo e emprego do poder militar.


4. Como parte de uma necessária reorganização dos sistemas de controle de armas de fogo e munições no país, recomenda-se rever o escopo de atuação do Exército Brasileiro nesta área. O objetivo é tornar as ferramentas de regulação, registro, controle e análise de dados mais robustas e integradas, reunindo em um único sistema mecanismos e informações atualmente dispersos no SIGMA (Sistema de Gerenciamento Militar de Armas), no SINARM (Sistema Nacional de Armas), no Sistema de Controle de Venda e Estoque de Munições (SICOVEM), e nas polícias estaduais. Recomenda-se, ainda, a adoção de restrições adicionais quanto aos tipos de armas de fogo de propriedade permitida para colecionadores, atiradores desportivos e caçadores (CACs). Estas restrições reduziriam o espaço para a proliferação de armas de fogo no país e manteriam a estrutura de fiscalização do Estado compatível com a quantidade de armas de fogo na sociedade.


Comentário: A proposta pode ser subdividida em duas: a) centralização do controle de armas e munições; e b) restrição dos tipos de armas para os CACs. No que tange à parte a), entende-se ser positiva a adoção de qualquer medida que venha a centralizar o registro e o controle de armas de fogo e munições. Isso pode ocorrer transferindo-se essas atividades para um só órgão, ou mante-las em órgãos diferentes, desde que adotando-se um procedimento padronizado para todos eles, assim como garantindo um sistema integrado para troca de informações e consultas. De qualquer forma, recomenda-se que o Governo Federal - por iniciativa do Poder Executivo ou do Congresso Nacional - realize previamente estudos por meio de um grupo de trabalho composto pelo Exército Brasileiro, Polícia Federal, polícias militares e civis estaduais, e Polícia Rodoviária Federal.

No que tange à proposição b), o autor não evidenciou que problemas são percebidos com respeito à atual regulamentação de aquisição e registro de armas para CACs, nem que "restrições adicionais" seriam adotadas, não permitindo uma análise adequada da proposta. Deve-se lembrar, todavia, que a indesejável consequência da "proliferação de armas de fogo no país", citada no documento, não reside propriamente no estoque de armas dos CACs, mas naquelas adquiridas ilegalmente pelo crime organizado. Adicionalmente, cabe ressaltar a importância dos CACs como reserva de mobilização nacional em caso de conflito, fator que deve ser considerado em qualquer medida de alteração no sistema vigente.


5. Ampliar a presença de civis em funções e cargos para os quais civis são melhor preparados, mas que atualmente são ocupados por militares das Forças Armadas, seja no Ministério da Defesa (e.g., finanças, contabilidade, gestão do patrimônio), nas forças singulares, ou fora do setor de defesa (e.g., inteligência) – um processo denominado de “civilinização”. O objetivo é aumentar a profissionalização destas atividades e reduzir o número de militares nas mesmas, de forma que estes possam se dedicar a atividades mais compatíveis com a formação militar. É pouco provável que militares sejam mais preparados do que civis na área de finanças públicas, por exemplo. Não há critérios absolutos, é claro, para se estabelecer quais atividades nas áreas de gestão, logística e política de defesa são militares ou civis, havendo frequentemente bastante sobreposição. Assim, deve-se considerar o treinamento e a experiência de civis e militares ao se decidir quem ocupará cada função, assim como o fato de que civis e militares devem trabalhar em conjunto. A “civilinização” não deve ser vista como um processo de declínio da influência militar: trata-se da profissionalização das várias funções ligadas ao setor de defesa, com consequências positivas para militares e civis.


Comentário: O item descrito pela AFIPEA destaca que seria necessário ampliar a presença de civis no Ministério da Defesa e na área de Inteligência em funções para as quais os civis

seriam melhor preparados, permitindo que os militares pudessem se dedicar às atividades mais compatíveis com a formação militar. De acordo com a AFIPEA, esse processo não deveria ser visto como “um processo de declínio da influência militar, mas se trataria da profissionalização das várias funções”, as quais teriam consequências positivas para ambas as categorias. O primeiro problema da premissa é que ela não é fundamentada em nenhum trabalho científico que tenha feito qualquer mensuração das capacidades de civis e militares nas funções descritas como finanças, contabilidade e gestão patrimonial.


A premissa seguinte é que essa mudança traria profissionalização às funções destacadas, como se, no meio militar, as funções administrativas citadas, finanças, contabilidade e gestão patrimonial, não fossem exercidas de forma profissional, o que se estenderia para as funções exercidas por militares no MD. A matéria parece desconhecer que há militares que são formados especificamente para o exercício dessas funções, inclusive com sua formação sendo aperfeiçoada ao longo da carreira militar com cursos na própria Força Armada, em instituições de ensino no país e no exterior. Acresça-se que essas funções são exercidas para atender às necessidades das Forças Armadas na logística das instituições e no gerenciamento administrativo, sendo totalmente compatíveis com as necessidades verificadas em situações de paz e em situações de conflito.


Por isso, a afirmação de que “seria pouco provável que militares sejam mais preparados do que civis na área de finanças públicas” não possui fundamentação científica e tampouco apresenta algum dado que possa comprovar essa afirmação. Como exemplo, cita-se a notícia publicada no Portal do Comando da Aeronáutica (COMAER) (www.fab.mil.br), onde a instituição informa que o COMAER, por intermédio da Secretaria de Economia e Finanças e Administração da Aeronáutica (SEFA), em 2021, foi premiado pela Secretaria do Tesouro Nacional, tendo conquistado a premiação na categoria Setoriais de Contabilidade de Custos. (Fonte <https://www.fab.mil.br/noticias/mostra/38324/INSTITUCIONAL >. Acesso em 25 jan 2023. Acresça-se que o sistema de contabilidade de custos implantado no COMAER pela SEFA foi resultado de esforço de capacitação realizado pela Secretaria, cujo oficial do quadro de oficiais intendentes, tendo realizado curso de mestrado stricto sensu na Universidade do Minho em Portugal, trouxe a solução que, posteriormente, foi adotada, inclusive pela STN.


No que tange à afirmação sobre áreas fora da defesa, p. ex., a área de inteligência, ela também não traz novidades. A área de inteligência do Estado brasileiro foi regulada por meio do Decreto 4.376, de 13/09/2002 que regulamentou o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) e em cuja composição estão representados todos os ministérios civis, dentre outros

órgãos, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o Ministério da Justiça e Segurança Pública, as Diretoria de Inteligência da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, bem como os órgãos de inteligência das Forças Armadas por meio do Ministério da Defesa, cuja finalidade é proporcionar “subsídios ao Presidente da República nos assuntos de interesse nacional”.


§ 1 o O Sistema Brasileiro de Inteligência tem por objetivo integrar as ações de planejamento e execução da atividade de inteligência do País, com a finalidade de fornecer subsídios ao Presidente da República nos assuntos de interesse nacional.

Fonte: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4376.htm >. Acesso em 25 jan 2023. (Grifo nosso).

Portanto, nessa área, o número de civis já é muito maior do que o de militares.


Ao final deste item, a AFIPEA destaca que “deve-se considerar o treinamento e a experiência de civis e militares ao se decidir quem ocupará cada função, assim como o fato de que civis e militares devem trabalhar em conjunto”. Portanto, a própria AFIPEA concorda que a escolha deverá basear-se em critérios técnicos, observando-se a experiência profissional e treinamento de cada pessoa, além de destacar que civis e militares devem trabalhar em conjunto.


Desta forma, entende-se que a proposta não traz, de fato, nenhuma inovação a não ser um “wishfull thinking” sobre um possível incremento no número de civis na área de defesa, cujo resultado prático é discutível.


6. Planejar a criação de uma força intermediária nacional permanente, responsável por operações de garantia da lei e da ordem (GLO) e pelo controle das fronteiras, nos moldes das forças nacionais de segurança existentes em outros países. Esta instituição poderia ser criada na forma de uma divisão da Polícia Federal, do robustecimento da Força Nacional de Segurança Pública (com doutrina e carreira próprias, ainda que seus integrantes sejam oriundos de outras forças policiais), ou de uma nova instituição. Independentemente do formato, a participação das Forças Armadas (ou de outras instituições) em operações de GLO deve ser pensada com mais cautela, a fim de se evitar a instrumentalização política interna do poder militar do país por autoridades federais ou estaduais.


Comentário: A proposta não especifica de que forma essa nova instituição seria inserida no ordenamento de segurança e defesa do país, embora isso possa ser objeto de discussão futura no Congresso Nacional. A Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) foi criada em 2004 no primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva, inspirada no modelo da Organização das Nações Unidas (ONU) de intervenção da paz, e constitui um programa de cooperação entre os estados e o governo federal. Suas tropas reúnem os mais bem treinados policiais federais, civis e militares, bombeiros dos grupos de elite e peritos dos estados, com treinamento na Academia Nacional de Polícia, em Brasília, que inclui tanto a especialização em situações de crise quanto a formação em direitos humanos.

De acordo com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, estrutura a qual está vinculada a FNSP, o propósito da iniciativa é auxiliar os entes federativos em “atividades e serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública, à segurança das pessoas e do patrimônio,

atuando também em situações de emergência e calamidades públicas”. Logo podemos concluir que o Decreto n° 5.289/2004 que criou a Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) deixa clara as atribuições e objetivos da FNSP, quando de suas aplicações e o modelo adotado para sua criação cujo objetivo é ser uma instituição de utilização não permanente, mas sim, emergencial. Caso implementada a sugestão da proposta de passar a FNSP a ser uma "força intermediária nacional permanente", o citado decreto deveria ser alterado, além do que, provavelmente, dever-se-ia incluir no artigo 144 da Constituição a Força Nacional como órgão de segurança pública.

Entendemos que treinamento constante, atualização de equipamentos e estrutura organizacional mostra-se mais efetivo para a utilização prática da FNSP do que a criação de uma nova instituição, gerando custos ao Tesouro, criando uma instituição que terá atribuição de organizações já existentes (Polícia Federal, Forças Armadas, Policiais Estaduais) e plenamente ativas.


O emprego das Forças Armadas em ações de GLO está amparado pela Constituição Federal, em seu Artigo 142, e pelas leis complementares 97/99, 117/04 e 36/10 e, ainda, pelo decreto 3897/99. As operações de garantia da lei e da ordem (GLO) efetuadas pelas Forças Armadas na cidade do Rio de Janeiro (RJ) em Natal (RN) e Vitória (ES) foram efetuadas em situações de exceção, quando por diferentes razões as forças de segurança locais estavam esgotadas em suas atribuições. Logo, as Forças Armadas atuando em operações de GLO têm forte amparo legal, porém ao mesmo tempo limitante de possíveis ações de instrumentalização politica das Forças Armadas por qualquer agente político. Tais operações poderiam em teoria terem sido efetuadas pela FNSP porém dada a especificidade e o grau de dificuldade de cada uma a utilização das Forças Armadas (inclusive com o apoio de veículos blindados) mostrou-se mais adequada e eficiente. O que não desqualifica a atual Força Nacional, apenas demonstra que ainda temos situações internas graves que exigem a aplicação das Forças Armadas como apresentado em lei vigente.

Outra questão importante à criação de instituição como foi sugerida é, no formato apresentado, o risco de tal organismo ser utilizado como “braço armado” do governo ou grupo político no poder, situação aliás que o autor da proposta procura evitar que ocorra. Para reduzir a possibilidade do uso político de uma força nacional permanente, a lei deveria dispor sobre as situações e formas onde a FNSP - ou outro órgão de caráter permanente - fosse acionada.


7. Criar o cargo de Assessor de Defesa e Segurança, com a função de aconselhar efetivamente o Presidente da República em assuntos relacionados à defesa nacional, relações civis-militares, soberania do país, e criminalidade transnacional. Esta função deve ser desempenhada por civis de notório saber e experiência na área.


Comentário: A proposta conecta-se ao item 5 sobre ampliar a presença de civis em assuntos

de defesa. A própria proposta já insere uma restrição aos militares ao destacar que a função “deve ser desempenhada por civis”, desde que com “notório saber e experiência na área”. Ao colocar esta função com estas premissas, de certa forma, contradiz a própria afirmação da AFIPEA de que “deve-se considerar o treinamento e a experiência de civis e militares ao se decidir quem ocupará cada função”. Portanto, no caso geral, vale a afirmação de que dever-se-ia verificar a capacidade do militar e do civil para exercer uma função, todavia sendo restringida no caso da proposta de “Assessor de Defesa e Segurança”. Nos critérios apontados, infere-se que o notório saber deveria estar relacionado a “à defesa nacional, relações civis-militares, soberania do país, e criminalidade transnacional”.


A proposta, contudo, choca-se com funções já exercidas e reguladas como p. ex., no que tange ao destacado pela AFIPEA relativo à soberania e defesa nacional, funções já designadas para o Conselho Nacional de Defesa, que é o “órgão de consulta do Presidente da República nos assuntos relacionados à soberania nacional e à defesa do Estado democrático”, tendo sua constituição amparada no art. 91 da Constituição Federal. Dentre as suas atribuições encontra-se a de “estudar, propor e acompanhar o desenvolvimento de iniciativas necessárias a garantir a “independência nacional e a defesa do Estado democrático”.

Fonte:<https://www.gov.br/gsi/pt-br/centrais-de-conteudo/conselho-de-defesa-nacional/competencia.pdf >. Acesso em 25 jan 2023.


No que tange às relações civis-militares, pode-se estabelecer esse assunto como da competência do Ministro da Defesa, uma vez que a esse ministério estão subordinadas as Forças Armadas e, na questão da criminalidade transnacional, um assunto que estaria na esfera de competência do Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio do Departamento de Policia Federal (DPF), que promove acordos de cooperação com outros países, como p.ex., com o Paraguai. (Fonte: < http://dspace.mj.gov.br/handle/1/4969 > .Acesso em 25 jan 2023).


Subárea: LOGÍSTICA, GESTÃO E PESSOAL MILITAR


8. Robustecer o Ministério da Defesa, nele centralizando um número maior de funções a fim de ampliar a racionalidade, a capacidade operacional das Forças Armadas, e a eficiência no uso dos recursos públicos. Este processo facilitaria a elaboração de um planejamento de defesa que estabelecesse prioridades, supervisionasse o poder militar do país, e ampliasse a interoperabilidade entre as três Forças Singulares. O Ministério da Defesa não possui condições, na atualidade, de desempenhar estas funções. Predomina, com frequência, o controle do Ministério da Defesa pelas forças singulares – ao invés do oposto. A elaboração do orçamento e a realização de certas aquisições poderiam também ser feitas de forma mais centralizada, otimizando o uso dos recursos disponíveis.


Comentário: O Ministério da Defesa é uma instituição relativamente recente. Inicialmente, foi visto apenas como órgão de controle! A complexidade dos conflitos, como a Guerra de Quarta Geração ou Guerra Híbrida, exige a dita interoperabilidade e maior abrangência de ações, justificando que a coordenação das ações seja feita um nível acima das Forças Armadas (FFAA). Essa questão esbarra também do escopo cultural das FFAA, que são instituições centenárias e têm dificuldade em assimilar essa necessidade de controle superior. O tema central para as funções do MD é o processo de aquisição de material de emprego militar, que deve congregar as forças e unificar o referido processo, emprestando maior efetividade e economia. Atualmente o orçamento é distribuído as FFAA segundo orientações das próprias forças e atende prioritariamente os projetos estratégicos das forças singulares. O orçamento de defesa é a incerteza crítica mais relevante do planejamento estratégico das FFAA. O controle dessa atividade poderá trazer ganhos significativos ao MD desde que desenvolvida de forma profissional e eficiente, atendendo aos interesses nacionais prioritariamente.


9. Elaborar um plano de reorganização de organizações militares do Exército Brasileiro em “bases”, a fim de ampliar a capacidade operacional das Forças Armadas e aumentar a eficiência no uso de recursos públicos. Deve-se considerar que, em muitos casos, organizações militares movimentam economias locais, criando incentivos para que alguns municípios resistam a projetos de reorganização. Estes municípios poderiam receber investimentos em outras áreas como compensação.


Comentário: A reorganização das Forças Armadas (FFAA) não pode considerar exclusivamente os aspectos territoriais e econômicos; a finalidade constitucional das forças deve ser o eixo orientador de qualquer modificação porventura planejada. Apesar do viés cambiante da conjuntura política internacional, a missão das FFAA tem se mantido quase que intacta. A evolução dos conflitos em razão do uso intensivo de tecnologias disruptivas exige acompanhamento contínuo por meio da construção de cenários, que a cada quatro anos, por força de lei, subsidiam as atualizações da PND. Desse modo, prevalecem outros fatores para reorganizar as FFAA no território nacional que não os aspectos econômicos e territoriais. As propostas oito e nove estão entrelaçadas! O robustecer do MD passa necessariamente pela compreensão da missão da Defesa e das forças singulares, operando isoladamente em missões específicas das forças ou trabalhando de forma conjunta, buscando a interoperabilidade e a sinergia das ações.


10. Reduzir a endogeneidade da formação do pessoal militar em cursos de formação, aperfeiçoamento ou estado-maior, ampliando parcerias com instituições civis nacionais, bem como instituições civis e militares estrangeiras. O objetivo é utilizar recursos existentes fora das Forças Armadas e contribuir para um ensino militar mais compatível com o contexto social, econômico e político do país. Sugere-se também que integrantes do corpo docente de estabelecimentos militares de ensino sejam incentivados a manter redes de colaboração em ensino e pesquisa com outras instituições, nacionais e estrangeiras.


Comentário: O objetivo parece mais ideológico do que técnico. Já existe parceria entre instituições militares do Brasil e seus aliados no que tange a cursos de formação, aperfeiçoamento e estado-maior. Somente a Academia militar das Agulhas Negras (AMAN) que forma os aspirantes a oficial do exército recebeu nos últimos quatro anos ao menos 38 alunos estrangeiros oriundos de nações amigas, além de participar, desde meados de 2010, de seminários e congressos científicos com a participação maciça de docentes e alunos de graduação de universidades federais.


O Instituto Militar de Engenharia (IME), instituição de ensino e pesquisa das áreas de engenharia do Exército, tem parceria com instituições de várias nações aliadas e nacionais como: Universidade Twente (Holanda), Universidade Politécnica de Bucareste (Romênia), Universidade Técnica do Texas (EUA), Universidade de São Paulo (Basil), da mesma forma que a Marinha do Brasil forma seus engenheiros navais pela USP.


Quanto a redes de colaboração entre o corpo docente de instituições militares e civis, também já existe cooperação com as instituições com memorando de entendimento e acordo de cooperação com instituições como as citadas no parágrafo anterior. O mesmo IME também possui acordos de cooperação e memorando com empresas privadas como Condor Tecnologia não letal, Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) para pesquisa e desenvolvimento em materiais e equipamentos de interesse das Forças Armadas.


Os militares que nos últimos quatro anos exerceram cargos ou funções na estrutura da administração pública - ministérios, secretarias, autarquias, empresas públicas - demonstraram grande conhecimento do contexto social, político e econômico do país. Ministérios desbloquearam projetos há tempos politicamente bloqueados em ministérios e secretarias (como ministério da infraestrutura e secretaria de portos), e as empresas públicas apresentaram relevantes resultados financeiros e de eficiência.


Uma iniciativa adicional que possivelmente atendesse aos anseios da proposta - mesmo que sua percepção não esteja integralmente fundamentada -, seria a criação de um Curso de Ciências de Estado para oficiais das Forças Armadas, onde fossem ministrados fundamentos de Direito Constitucional, Macroeconomia, Administração Pública, Ciência Política e Relações Internacionais. Algumas dessas disciplinas já são ministradas de forma segmentada e dispersa em diversos cursos e centros de formação, mas o que estamos sugerindo seria a concentração do Curso de Ciências do Estado sob a coordenação do Ministério da Defesa, que faria, juntamente com a ESG e a END, parcerias com universidades federais em todo o País, de modo a que os oficiais pudessem realizar os módulos sem necessidade de deslocamento.


Subárea: GOVERNANÇA E CONTROLE


11. Fortalecer a governança orçamentária e o acompanhamento das atividades do setor de defesa, por meio tanto de mecanismos de auditoria interna às Forças Armadas como de mecanismos externos, como a Controladoria-Geral da União (CGU), o Tribunal de Contas da União (TCU), o Congresso Nacional, e outros órgãos ou espaços de controle e monitoramento. Incentivar estes últimos a conhecerem o setor de defesa de forma mais profunda para que possam melhor fazer avaliações críticas das atividades do setor, facilitando a identificação de casos de corrupção, patrimonialismo, e mau uso dos recursos públicos – tal como ocorre em relação a outros segmentos do Estado.


Comentário: A sociedade brasileira desempenha um papel crucial na escolha de seus representantes nos poderes executivo e legislativos. Esses representantes têm influência direta na indicação de cargos em posições estratégicas nos órgãos de controle (e.g. Controladoria-Geral da União (CGU), o Tribunal de Contas da União (TCU) e outros). Portanto, é importante que a sociedade compreenda e acompanhe a atuação desses representantes e seus posicionamentos em relação ao papel, missão e orçamento das Forças Armadas.


A mudança dos paradigmas na Defesa e na Segurança, incluindo ataques cibernéticos, torna ainda mais relevante que a sociedade esteja ciente e envolvida na definição das prioridades orçamentárias que afetam a segurança e a soberania. Por isso, é realmente importante que a sociedade conheça o Setor de Defesa e suas demandas atuais e futuras.


O crescimento dos gastos militares tem sido uma tendência mundial, o que reflete a preocupação crescente das nações com a segurança e defesa de seus interesses. Esse crescimento representa uma oportunidade para que as Forças Armadas sejam preparadas para enfrentar esses desafios. Além disso, ele também pode criar oportunidades para o desenvolvimento e fortalecimento da Base Industrial de Defesa e de Segurança brasileira (BIDS), que ainda é fortemente dependente dos investimentos governamentais e do orçamento público.


A BIDS é composta por empresas e instituições de pesquisa e desenvolvimento que desenvolvem tecnologias e equipamentos militares e de segurança. A tendência mundial do crescimento dos gastos militares pode criar oportunidades para estas empresas, que poderão atuar no mercado internacional, fornecendo tecnologias e equipamentos de defesa e segurança para outros países. No entanto, é importante destacar que a participação internacional da BIDS deve ser regulamentada e acompanhada de perto, garantindo que as empresas respeitem as leis internacionais e as normas éticas. Além disso, é fundamental que haja um acompanhamento dos investimentos governamentais na BIDS para garantir que os recursos sejam usados de forma eficiente, e que as empresas tenham condições de atuar nos mercados interno e externo.


Voltando ao tema orçamento, os Observatórios Sociais, por exemplo, têm exercido um papel fundamental na garantia da boa aplicação dos gastos públicos, promovendo a transparência e evitando desvios de finalidade e corrupção. Esses observatórios contribuem para a efetivação da democracia, permitindo aos cidadãos o acompanhamento dos gastos e a verificação de seus resultados. Destaca-se o projeto de criação do Observatório de Defesa, fruto do Acordo de Cooperação Técnica entre o Ministério da Defesa e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. O objetivo é que ele possa fornecer informações relevantes da execução orçamentária e consolidar dados importantes da perspectiva industrial, como empregos gerados e empresas envolvidas na cadeia de valor. Com dados consolidados, será possível ter uma visão mais ampla e precisa da atuação do Setor de Defesa e da aplicação dos recursos públicos.


O papel dos órgãos de controle é fundamental para garantir a transparência e a eficiência nos gastos orçamentários. Desde a elaboração do orçamento até a execução das despesas, eles exercem uma fiscalização rigorosa, identificando possíveis irregularidades e corrigindo-as. No entanto, o papel da sociedade também é crucial nesse processo. É através da participação cidadã que a sociedade pode exigir transparência e responsabilidade dos gestores públicos, cobrando-os por uma utilização adequada dos recursos públicos. Além disso, é por meio da educação financeira e política que a sociedade pode compreender a importância de acompanhar e fiscalizar os gastos orçamentários. É preciso que os órgãos de controle e a sociedade trabalhem juntos, complementando-se, para garantir a utilização

adequada dos recursos públicos. A fiscalização rigorosa dos órgãos de controle precisa ser acompanhada da participação ativa e consciente da sociedade, para que os gastos orçamentários possam ser realizados de forma eficiente e responsável.


12. Ampliar a transparência nas relações entre agentes públicos da área de defesa (civis e militares), empresas privadas (da área de defesa ou de outras áreas), e organizações sem fins lucrativos. Adotar períodos de quarentena de pelo menos 24 meses para que gestores civis e militares da área possam trabalhar em empresas privadas ou associações de classe após deixarem funções públicas. Elaborar um guia para as relações entre gestores da área da defesa (civis e militares) e empresas privadas a fim de reduzir os riscos de influência excessiva do setor privado sobre políticas para a área.


Comentário: Em essência, a troca de conhecimento entre profissionais é fundamental, tanto para a identificação e resolução de problemas, quanto para o desenvolvimento de projetos e negócios. Quando “diferentes” trabalham juntos, eles podem compartilhar suas habilidades, experiências e perspectivas para solucionar problemas e vislumbrar oportunidades de uma

forma mais inovadora e criativa. A troca de conhecimento e de perspectivas pode ajudar a promover a compreensão e a colaboração entre diferentes setores da sociedade. Quando profissionais de diferentes formações e áreas trabalham juntos, eles podem aprender mais uns sobre os outros e construir relações de trabalho profícuas e respeitosas.


Entretanto, no campo comercial e empresarial, sobretudo, no ambiente grandes negócios, o debate está além da competência técnica e da experiência profissional. Ele se concentra na capacidade de influenciar processos decisórios o que tem impacto sobre a equidade na competição entre concorrentes. Não é apenas uma questão de aquisição de know-how, ela envolve a busca pelo know-who. O know-how é o conhecimento técnico ou habilidade para realizar uma tarefa ou processo específico. Já o know-who é o conhecimento de pessoas influentes ou conexões em uma determinada indústria ou setor. É o conhecimento de quem faz networking, conhecer quem são as pessoas chave em determinado assunto ou quem pode ajudar a alcançar um objetivo. O know-how é fundamental para realizar uma tarefa de maneira eficiente, enquanto o know-who é importante para conseguir oportunidades de negócio e se conectar com outras pessoas relevantes na área, setor, empresa, entidade ou órgão de interesse.


Por certo, no meio militar, encontraremos profissionais de excelente formação e, que por consequência dos seus méritos da sua carreira, ocuparam posições de destaque e, consequente, poder de decisão e influência entre os seus pares e subordinados. É uma característica da carreira militar que esses militares naquilo que pode ser considerado o auge dos seus conhecimentos e experiência, precocemente saiam do serviço ativo. Aqueles que desejam se manter ativos profissionalmente, veem como opção a busca de reposicionamento profissional no mundo civil.


A troca de conhecimento e experiências é fundamental para o crescimento profissional e pessoal. No entanto, é importante considerar questões éticas e de conflito de interesse ao passar de uma atuação no setor público para o setor privado, e vice-versa. Isso se torna ainda mais crítico quando há participação em decisões importantes, como por exemplo, na

definição de critérios de aquisição de equipamentos militares. Imagine o exemplo hipotético de um militar recém aposentado que participou da definição dos critérios de aquisição de

um equipamento de uso exclusivo militar. Se esse militar receber o convite para atuar num dos candidatos a fornecedor desse equipamento no processo de licitação, existe um claro conflito de interesse. O militar pode ter acesso a informações privilegiadas e influenciar na decisão, prejudicando a isenção e a transparência do processo. Por isso, é de fato necessário que sejam criados regramentos específicos que possam neutralizar esses conflitos. É importante que esses regramentos contemplem medidas que permitam a construção de uma nova carreira ao profissional, sem prejudicar a integridade ética e a isenção de processos que ele poderia, potencialmente, influenciar.


Esse tema tem sido alvo de constante preocupação e vigilância. Existem exemplos de regras e práticas do setor público para evitar conflitos de interesse, que incluem: divulgação pública de interesses financeiros e de negócios de funcionários públicos e políticos; proibição de participação em negociações ou decisões que possam levar a conflitos de interesse; proibição de aceitação de presentes ou pagamentos de empresas ou indivíduos que possam ter interesses em questões governamentais; e limitação de emprego em empresas relacionadas após o término do cargo público.


A mesma preocupação se aplica ao setor privado. Seguem exemplos de regras e práticas: políticas de divulgação e transparência de relações comerciais e financeiras; proibição de participação em negociações ou decisões relacionadas a empresas em que se tenha interesse; proibição de aceitação de presentes ou pagamentos de fornecedores ou clientes; e

limitação de participação em empresas concorrentes.


A prática de períodos de quarentena é realmente uma forma eficiente de evitar conflitos de interesse, tanto público quanto privado. Ela consiste em impedir que um profissional que tenha tido uma relação profissional com uma empresa ou entidade, se envolva em atividades que possam criar conflitos de interesse, após deixar essa entidade. Por exemplo, um funcionário público que tenha trabalhado em uma área relacionada a licitações, pode ser impedido de trabalhar em uma empresa que participou dessas licitações, por um período determinado. Outro exemplo de quarentena é o caso de funcionários que deixam suas funções em órgãos reguladores. Esses funcionários são proibidos de trabalhar em empresas reguladas, por um período determinado, a fim de evitar conflitos de interesse. No setor privado, as empresas também podem aplicar períodos de quarentena a seus funcionários. Por exemplo, uma empresa de consultoria pode proibir seus funcionários de trabalhar com clientes antigos por um período após deixarem a empresa, para evitar conflitos. Porém, a autorregularão profissional e empresarial, talvez, seja o mecanismo mais eficiente. Sem ética, empresas e profissionais mal-intencionados vão se empenhar em encontrar meios e caminhos.


A lei é a principal ferramenta para proteger a sociedade de conflitos de interesse e garantir a integridade dos profissionais e das empresas. Além disso, as empresas privadas e públicas, bem como entidades e órgãos governamentais, devem ter políticas e práticas internas claras que promovam a ética e evitem conflitos de interesse. É importante que os profissionais treinem seus funcionários sobre a importância da ética e como evitar conflitos de interesse, além de estabelecer medidas claras para lidar com situações de conflito de interesse. Em resumo, a combinação de autorregulação, leis e políticas internas eficientes é a melhor maneira de prevenir e gerenciar conflitos de interesse.


13. Rever o processo de formulação dos documentos de defesa de alto nível encaminhados ao Congresso Nacional (Política Nacional de Defesa, Estratégia Nacional de Defesa, e Livro Branco de Defesa Nacional). Seu processo de elaboração deve ocorrer mediante consulta a vários setores do Estado e da sociedade com expertise na área da defesa. O objetivo é tornar o setor de defesa mais adaptado ao contexto político, social e econômico do país. Parlamentares, por exemplo, devem participar das discussões durante a elaboração destes documentos, ao invés de apenas os aprovarem – como ocorre na atualidade. Estes documentos devem ser "de facto" e "de jure" estratégicos, ou seja, devem estabelecer prioridades que guiem a alocação de recursos. Zelar também para que estes documentos não sejam vagos ou meros exercícios de relações públicas.


Comentário: A proposta destaca que o processo de elaboração da PND e da END deveria ocorrer mediante “consulta a vários setores do Estado e da sociedade com expertise na área de defesa”, sem, contudo, estabelecer quais seriam esses setores do Estado ou da sociedade. Portanto, nesse aspecto, a proposta é vaga.


A PND encaminhada ao Congresso em 2020, no seu item 2.1.1, destaca que a elaboração do documento é coordenada pela Ministério da Defesa, e articular-se-ia com as demais políticas nacionais. A PND de 2016, em seu item 2.1.3 destacava exatamente o mesmo ponto do documento de 2020. Nesse sentido, verifica-se que o MD consulta os demais órgãos do Estado, como o Ministério da Fazenda, das Relações Exteriores e a Academia, para obter subsídios para a confecção dos documentos, bem como para as ações decorrentes elaboradas no planejamento.


Corroborando essa visão, a END de 2012, no item que trata sobre a Base Industrial de Defesa, destacou que o MD, juntamente com o Ministério da Fazenda, do Desenvolvimento e Comércio Exterior, do Planejamento e da Ciência e Tecnologia, elaboraram a Lei nº 12.598, de 22 de março de 2012 que estabeleceu normas especiais para as compras, contratações e desenvolvimento de sistemas de defesa. Desta forma, o próprio documento de 2012 já destaca a interação do MD com outros setores do Estado. Esse documento também destacou que o MD manteria contatos com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), visando à criação de linhas de crédito para os produtos de defesa.


O Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN) de 2012 também traz argumentação nesse sentido, ao destacar no item Academia e Defesa (pág. 182) que o “Ministério da Defesa tem procurado potencializar essa difusão” e a END (2012) enunciaria como uma de suas ações estratégicas “a necessidade de formar civis especialistas em defesa e apoiar programas e cursos sobre Defesa Nacional”. O LBDN traz, ainda, que o MD, em parceria com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) lançou, em 2005, o Programa de Apoio ao Ensino e à Pesquisa Científica e Tecnológica em Defesa Nacional (Pró-Defesa) tendo como um de seus objetivos “promover o diálogo entre especialistas, civis e militares, acerca de assuntos atinentes à Defesa Nacional”. Como resultado, no período de 2006 a 2010 teria formado 15 doutores e 44 mestres, com a contribuição de 15 instituições civis e 10 militares. (LBDN, 2012, pág. 183).


Um resultado atual que pode ser destacado nessa questão é o curso de pós-graduação stricto sensu em Economia de Defesa que será promovido, em 2023, pela Faculdade de Economia da Universidade de Brasília em parceria com a Escola Superior de Defesa (ESD) e a Agência Espacial Brasileira (AEB). Portanto, nessa questão da interação com a sociedade, com a Academia e com os demais setores do Estado, o tema já é observado pelo MD desde 2008, quando da elaboração da edição da END daquele ano pela Secretaria de Assuntos Estratégicos, tendo obtido bons resultados, apesar de ser um processo de longo prazo.


No que tange ao envolvimento de parlamentares, é um detalhe que depende muito mais do Legislativo do que do MD. Os parlamentares, como representantes da sociedade, são envolvidos no processo por força da Lei Complementar nº 97/1999 que, no seu §3º, do art. 9º (alterado pela LC 136/2010), define que o Poder Executivo encaminhará para apreciação do Congresso Nacional, de quatro em quatro anos, a PND, a END e o LBDN. Portanto, o processo já prevê o envolvimento do Legislativo. Todavia, o desinteresse dos parlamentares evidencia-se pela aprovação do documento sem grandes análises, usualmente ao final de cada período legislativo, verificado pelas datas de aprovação. A PND, a END e o LBDN de 2016, p. ex., foram aprovados em 2020; as edições enviadas em 2020 pela Mensagem Presidencial nº 398, de 16/07/2020, somente foram aprovadas em 2022, por meio do Decreto Legislativo do Senado de 8/06/2022. Portanto, a sugestão da AFIPEA de que os parlamentares devam participar da elaboração desses documentos já está inserida no processo previsto pela Lei Complementar nº 97/1999, uma vez que sua elaboração passa pelo Congresso Nacional sendo por este aprovada.


Quanto aos aspectos de priorizar recursos, o tema é de amplo espectro e tem ramificações no próprio Congresso, que é o ente do Estado encarregado de priorizar os recursos por meio da aprovação das Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei do Orçamento Anual (LOA) que são encaminhadas anualmente pelo Executivo. Na LDO são estabelecidas as prioridades do governo federal, bem como estabelecidas as regras para a elaboração da LOA.

Desta forma, a crítica deve ser dirigida à qualidade de cada processo, e não se esses existem ou não, cujas recomendações e críticas deveriam ser observadas tanto pelo Legislativo quanto pelo Executivo, bem como pelo Tribunal de Contas da União (TCU), órgão encarregado de analisar e fiscalizar os programas e políticas públicas.


Subárea: SOCIEDADE E FORÇAS ARMADAS


14. Implementar efetivamente a proibição de atividades políticas dentro de organizações militares, o uso de posições oficiais (e.g., postos, graduações, cargos) na adoção ou rejeição de posicionamentos políticos, a emissão de comentários depreciativos acerca de lideranças políticas por militares da ativa, e o exercício por militares da ativa de funções públicas não ligadas ao setor de defesa. Ainda, deve-se esclarecer à população que não existe um “poder moderador” no Brasil e que as Forças Armadas não desempenham a “tutela” do Estado ou da sociedade. O objetivo destas medidas é evitar tanto o uso político das Forças Armadas como a partidarização política em organizações militares, mantendo as Forças Armadas leais ao sistema político vigente no país. Estas medidas aprimoram a compatibilidade das Forças Armadas com as instituições democráticas, bem como a profissionalização dos militares. Sugere-se também um período de quarentena de pelo menos 12 meses para que militares transferidos para a reserva remunerada possam assumir cargos de natureza civil na administração pública. Ao mesmo tempo, recomenda-se cautela em relação a medidas que apenas “confinem” militares nos quarteis. A alienação de militares do restante da sociedade cria um ambiente favorável ao surgimento de visões distorcidas sobre a vida civil, reforçando ideias salvacionistas ou ligadas à noção de “tutela” ou “poder moderador”.


Comentário: Começaremos afirmando que a legislação já proíbe a participação política aos militares da ativa. Essa proibição deveria ser universal e estendida a todas as carreiras de estado, normatizando os comportamentos individuais dos integrantes desses segmentos da sociedade. Temos visto que vários governos hodiernos ou no passado não muito distante estão sempre a tentar modificar essas normas, e de acordo com o momento histórico buscam cooptar esses servidores de acordo com seus interesses passageiros. Gilberto Freire, renomado antropólogo brasileiro, em palestra proferida em 1949, na ECEME, a convite de seu comandante, afirmou que a sociedade civil deveria assumir as responsabilidades de conduzir a vida pública nacional e evitar se socorrer nos militares por motivo de qualquer crise. Apesar dos avanços democráticos relevantes obtidos pela pátria brasileira ainda se verificam retrocessos indesejáveis, por parte de instituições que ainda não amadureceram o suficiente para contribuir de forma significativa o Estado brasileiro para o progresso e desenvolvimento nacionais.

A reforma militar executada pelo Presidente Castelo Branco em 1964, impedindo que os militares após se candidatarem, e quando eleitos, exercessem mandatos e retornassem para as FFAA, contribuiu de forma efetiva para evitar a partidarização dentro dos quartéis. Os processos de profissionalização das FFAA em outros países também tiveram reveses em decorrência da ação de outros atores presentes no cenário político. O uso político das FFAA não é um objetivo simples de alcançar! Esse uso pode ser subjetivo, implícito e episódico, dificultando seu impedimento legal por meio das normas existentes. A simples simpatia ou o contrário em relação a um dirigente político é o suficiente para contaminar a relação civil-militar. A história nos apresenta inúmeros exemplos desde a Roma e Pérsia antigas, que a relação entre políticos e militares apresenta dificuldades de compreensão e práxis.

Como o poder político é exercido pelos civis, que tem o mando e controle da situação, acreditamos que o foco para solucionar a questão está no disciplinar a práxis política para evitar a contaminação da atividade de defesa. A lealdade dos militares ao Estado não deve ser confundida com a subserviência a governos, e em especial, quando os segundos desejam de modo claro ou sub-reptício modificar a ordem vigente ou o modelo político consagrado na Constituição Federal, diploma legal maior no Estado Brasileiro. A farda não pode e nem deve sufocar o cidadão e seus direitos e deveres básicos, evitando o risco de instrumentalizar uma distorção social nos braços armados da nação!

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