MAR & DEFESA | 11 DE ABRIL DE 2024
Imagem: "Jornal de Brasília", ed. 06/11/23. Acessada em 08/04/24 de https://jornaldebrasilia.com.br/noticias/brasil/glo-militares-comecam-a-atuar-em-portos-e-aeroportos
DA EDITORIA
Em 01 de novembro de 2023, o Presidente da República assinou o Decreto 11.765, o qual, no seu Artigo 1º, estabelece que "fica autorizado, no período de 6 de novembro de 2023 até 3 de maio de 2024, o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem e para a execução de ações subsidiárias nas poligonais e limites do:
I - Porto do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro;
II - Porto de Santos, Estado de São Paulo;
III - Porto de Itaguaí, Estado do Rio de Janeiro;
IV - Aeroporto Internacional Tom Jobim, Estado do Rio de Janeiro; e
V - Aeroporto Internacional de São Paulo/Guarulhos, Estado de São Paulo."
A finalidade do emprego das Forças Armadas para a GLO, descrita no Parágrafo Único desse artigo, é "o fortalecimento do combate ao tráfico de drogas e de armas e a outras condutas ilícitas, por meio de ações preventivas e repressivas."
Em que pese à primeira vista a aparente oportunidade da medida, o MAR & DEFESA julgou conveniente trazer aos seus leitores a visão crítica de dois especialistas em Segurança Pública. A primeira é da lavra do Coronel (Veterano) da Polícia Militar de Minas Gerais AMAURI MEIRELES, ex-Comandante da Região Metropolitana de Belo Horizonte, e foi publicada no jornal O Tempo, edição de 07 de novembro de 2023; a segunda reproduz uma entrevista concedida em 20 de novembro de 2023 ao Estado de São Paulo por ANAÍS MEDEIROS PASSOS, pesquisadora sobre GLO e autora do livro "Democracia em guerra contra as drogas: a mística militar no Brasil e no México."
Caberá ao leitor tirar suas conclusões a respeito da argumentação dos especialistas, especialmente após serem divulgados os resultados da GLO, o que deverá ocorrer no mês de maio.
Foram mantidos os títulos originais de cada artigo. Os negritos foram introduzidos pelo Editor.
Francisco Novellino
Editor
"GLO E CRIME ORGANIZADO" (Amauri Meireles)
A expansão do crime organizado (agora, com uma nova e fortíssima vertente, o crime cibernético) em nosso país é indiscutível. Nacionalizou-se! O narcotráfico e as narcomilícias, antes localizados em setores da cidade do Rio de Janeiro, proliferam em outras cidades fluminenses e irradiam-se para várias regiões brasileiras. A angustiante sensação de insegurança, localmente e, de resto, em todo o País, transportada pela ilusão de isotopia, deteriora a qualidade de vida dos brasileiros.
Em razão de a sociedade clamar por providências efetivas, em Março de 2023 o Ministério da Justiça e Segurança Pública relançou o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania – um fiasco proporcional ao eufemismo – que foi desativado pela Presidente Dilma. O PRONASCI 2 – que acentua o disfemismo “violência estrutural da Polícia” – deve ir para o mesmo destino, ainda que, no "morde e assopra", distribua bolsa-formação para policiais.
Em 02 de outubro de 2023 foi lançado o Programa de Enfrentamento a Organizações Criminosas – ENFOC – cujos pilares seriam a inteligência e a investigação. Num primeiro momento, um certo alívio, que desaparece quando se observa que os eixos de suprimento (logístico e financeiro) dos criminosos não são os alvos prioritários. Por ora, não se tem informações sobre andamento desse programa.
Agora, o governo decretou, em 01Nov, uma paliativa GLO, a ser realizada em alguns portos e certos aeroportos. Uma decepção, um verdadeiro Parto da Montanha! Para a extensão e a profundidade elevadas que o problema tomou, esperava-se por um Plano Estratégico Nacional, que seria operacionalizado através integração de esforços, federais, estaduais e municipais, minimamente, dos segmentos fazendários, de inteligência, de TI e dos que exercem a polícia investigativa e a ostensiva, que poderia, inclusive, evidenciar a necessidade de um específico Sistema Nacional de Contenção do Crime Organizado, trabalhando no modelo Polícia 4.0. A área de atuação seria no território brasileiro, daí porque não caberia decretação de GLO, que somente pode ser realizada em áreas restritas.
Lembre-se que os mecanismos de proteção, as Defesas, realizados por Forças Públicas Federais (FPF) [N.E.: Forças Armadas e Força Nacional de Segurança] e Estaduais (FPE), devem ser compatíveis com as variações da Ordem, as quais, numa escala crescente de conflito, confronto, violência generalizada e ameaça à soberania vão de Normalidade, Alteração, Perturbação, Grave Perturbação, Gravíssima Perturbação, Luta Interna até as Crises Internacionais Político Estratégicas (CIPE). Nos três primeiros casos, o protagonismo é das FPE, porque as ações são de Defesa Social, ou seja, as vulnerabilidades e as ameaças podem afetar o povo e/ou trechos do território. A Grave Perturbação da Ordem (GPO) caracteriza uma faixa cinzenta onde, de início, atuam as FPE. Esgotada a capacidade dessas e/ou tendo em vista o interesse nacional, evoluindo o quadro para Muito Grave Perturbação da Ordem (MGPO), o protagonismo na condução da Defesa passa a ser das Forças Armadas (FFAA). Isso é regra nas demais variações, tendo em vista o comprovado esgotamento da capacidade das polícias estaduais e/ou ficar evidente o interesse nacional.
Entende-se que o avançado grau de Desordem, decorrente do crescimento do crime organizado, caracteriza, hoje, o estágio de GPO, mas não o de MGPO, o que, por ora, não ensejaria o emprego das FFAA no combate ao crime organizado. É que esse esgotamento ainda não está comprovado, o que permite depreender-se ter havido açodamento na decretação de GLO. A falha não está nas polícias estaduais, que não atuam em portos e aeroportos e nem na autoridade portuária e aeroviária, aquela através da relegada Guarda
Portuária (que faz polícia ostensiva) e esta com os Guarda e Segurança (GSGS) da Aeronáutica. [N.E.: A Polícia Federal também atua nos aeroportos com escalas internacionais].
O Ministério de Portos e Aeroportos foi criado em Jan/23, e o atual Ministro anunciou que está trabalhando um Plano Nacional de Segurança para Portos e Aeroportos. Ou seja, além de açodamento, atravessamento? Ficam nítidos dois erros que comprometem todo o esforço de minimização e mitigação do crime organizado: o primeiro, a indefinição (ou incorreta estruturação) do problema, o que impede sua necessária e efetiva sistematização, fundamentalmente apoiando-se nas áreas da inteligência e da investigação; o segundo, um gravíssimo e genérico problema político-econômico continua sendo tratado como um específico problema policial.
Logo, a realização de “ações preventivas e repressivas” (como previsto na GLO) configura, tão somente, atuação na causalidade – vértice para onde fluem causas e refluem os efeitos da criminalidade. Ora, isso é muito pouco! Não sendo priorizadas ações incisivas sobre as causas e sobre os efeitos, o que temos é um aumento no efetivo para encher o Tonel das Danaides [N.E.: Ilustração mitológica que significa um esforço infindável, porque nunca termina o trabalho feito, repetidamente, sem que jamais apresente um resultado proveitoso].
Se o objetivo é conter a expansão da criminalidade e reduzi-la paulatinamente, aumentar o efetivo federal, pontual e temporariamente, para atuar, com mais intensidade, como polícia ostensiva, é absolutamente insuficiente para atingi-lo. Enfim, uma questão estratégica, que exige esforços permanentes e contínuos, não pode ser conduzida com ações eventuais e intermitentes no nível operacional, apenas.
No oceano, em que se transformou a criminalidade organizada, montar um dispositivo para pescar piaba, chega a ser grotesco.
"GLO DE PORTOS E AEROPORTOS É UM SHOW SEM EFICÁCIA" (Anaís Medeiros Passos)
O decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que colocou militares para atuar na fiscalização de em portos e aeroportos é um “show que o Estado apresenta para a população para parecer que está fazendo alguma coisa”, mas tem pouca efetividade no combate ao crime organizado, diz Anaís Medeiros Passos. Professora de Ciência Política na Universidade Federal de Santa Catarina, Passos analisou a politização das Forças Armadas em seu pós-doutorado na Universidade de São Paulo e, recentemente, foi pesquisadora visitante na Universidade da Califórnia, com um estudo sobre doutrina militar. A seguir, trechos da entrevista.
Qual o saldo de ações de GLO na segurança pública?
A GLO nos Complexos do Alemão e da Penha, no Rio, entre 2010 e 2012, teve um certo sucesso em reduzir crimes patrimoniais em regiões próximas a essas favelas logo que as Forças Armadas (FFAA) entraram. Houve, inicialmente, um efeito de dissuasão junto às facções criminosas. Mas a redução de crimes não foi sustentável. Quando o Exército saiu, os altos índices de criminalidade retornaram. A Polícia Militar (PM) simplesmente não dava conta de estar presente no território, da mesma forma que com o emprego de 3 mil militares das FFAA. Já a GLO no Complexo da Maré, entre 2014 e 2015, não teve tanto sucesso inicial, porque havia quatro facções envolvidas e muito tiroteio entre elas. Mesmo com militares no território não foi possível coibir a violência.
Dentre os efeitos adversos dessas operações, há o risco de violações de direitos humanos, pois os militares [N.E.: das FFAA] não possuem o treinamento de polícia para o uso mínimo da força, com foco na proporcionalidade e na legalidade. A gente sabe que, no Brasil, a PM também não atua assim muitas vezes, mas as Forças Armadas têm menos preparo ainda para isso. Sua função precípua é a defesa externa.
Lula disse que o objetivo da GLO era “definitivamente tirar o poder do crime
organizado”. Qual é a chance de isso acontecer?
As chances são baixas. Essa GLO é, sim, diferente das anteriores, pois não há soldados patrulhando as ruas. Mas não seria necessário decretar uma GLO para fazer a coordenação entre Polícia Federal, Polícia Civil e Forças Armadas para fiscalizar portos e aeroportos. A verdade é que a GLO tem um caráter político. A GLO é um "show" que o Estado apresenta para a população, para parecer que está fazendo alguma coisa contra problemas que são muito mais complexos. O crime organizado não é algo externo à sociedade que basta arrancar e pronto, está resolvido. É algo enfronhado no funcionamento do próprio Estado e de certos negócios legais. A solução é muito mais complexa.
Esse dinheiro teria um efeito melhor se fosse empregado nas polícias?
Com certeza, porque estamos tapando o sol com a peneira. Lula e o Ministro da Justiça, Flávio Dino, anunciaram a GLO como se fosse uma grande novidade. Desde os anos 90 as Forças Armadas são empregadas em GLO contra o crime organizado, e os resultados são muito limitados em termos dos gastos e de dar uma solução duradoura. Uma hora os militares vão ter que sair, não podem fazer a segurança dos aeroportos para sempre. Quem vai continuar essa missão? A PF está equipada? Como vai se dar a coordenação entre governo federal e estadual?
Pois essa coordenação precisa se manter ao longo do tempo, não pode depender de um mando militar para ocorrer. É preciso modernizar as polícias. Não se fala em investigação do crime. Na prática, coibir o crime organizado não é algo tão midiático quanto uma GLO.
---
Para entrar em contato com a Editoria do MAR & DEFESA, com o autor do artigo, ou com a mídia que o publicou originalmente, basta enviar mensagem para um dos canais abaixo.
MAR & DEFESA
Poder Marítimo e Defesa Nacional
Contribuindo para o desenvolvimento de uma mentalidade política de defesa no Brasil
Editor responsável: Francisco Eduardo Neves Novellino
Perguntas e sugestões:
- Fale Conosco (no menu do site);
- Whatsapp (21) 97673-4234
留言