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BLOG MAR & DEFESA

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Pirataria no Golfo da Guiné: aumento da militarização no entorno estratégico brasileiro*

Alexandre Tito dos Santos Xavier**


Publicado no Blog MAR & DEFESA em 11 de fevereiro de 2023


Imagem baixada do artigo original em 10/02/23.


* Publicado originalmente no Blog Tito Geopolítica (atitoxavier.com) em 08/01/23. Trata-se da quarta parte da análise empreendida pelo autor sobre o tema. Disponível em:


** Capitão de Mar e Guerra da Reserva da Marinha do Brasil, instrutor do Centro de Jogos de Guerra da Escola de Guerra Naval. É conferencista e articulista sobre Geopolítica, Inteligência, Poder Marítimo e Jogos de Guerra. Editor do Blog Tito Geopolítica.


NOTA INTRODUTÓRIA (MAR & DEFESA)

Qual o interesse do Brasil na costa ocidental da África? Onde essa região se insere no Entorno Estratégico Brasileiro? Por que motivo o Brasil é um dos principais mantenedores e incentivadores da ZOPACAS (Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul)? Quais as principais motivações para o Governo Brasileiro manter há décadas laços estreitos de cooperação com países africanos da costa ocidental do continente, em especial aqueles situados no hemisfério Sul? Por que a Marinha do Brasil tem participado de exercícios navais multilaterais no Golfo da Guiné? Qual o principal interesse do Brasil em ter contribuído, por intermédio da Marinha, para a criação e desenvolvimento da Marinha da Namíbia?

O artigo ora publicado responde algumas dessas perguntas, em especial no que tange à ZOPACAS e ao Golfo da Guiné.


ARTIGO

O Blog Tito Geopolítica acompanha a situação da pirataria na região do Golfo da Guiné (GoG), parte do Entorno Estratégico Brasileiro (EEB), muito relevante para o nosso país em virtude dos laços históricos que possuímos com os países da África Ocidental, bem como devido à sua importância econômica. Convém mencionar que o GoG era a região marítima que possuía o maior índice de ataques piratas, inclusive com episódios de sequestro de tripulantes dos navios mercantes e de roubo do combustível armazenado e transportado nos navios tanques que transitavam nessa área. Nesse sentido, escrevemos os seguintes artigos:


Artigo 1 - "Pirataria no Golfo da Guiné: aumento da militarização no entorno estratégico brasileiro", de 21 de maio de 2020, disponível em https://www.atitoxavier.com/post/pirataria-no-golfo-da-guiné-aumento-da-militarização-no-entorno-estratégico-brasileiro, em que afirmamos que as águas do Golfo da Guiné eram, nessa época, as mais perigosas para o tráfego marítimo, em virtude dos atos de pirataria e dos crimes transnacionais que lá acontecem há muito tempo, mas que somente nos últimos anos vêm chamando a atenção da agenda mundial. Isso se deveu pelo decréscimo dos atos de pirataria na região do "chifre da África", bem como pelo acréscimo das notificações dos crimes na região, onde o sequestro de tripulações de navios mercantes tem aumentado (uma das possíveis causas era a queda no preço do barril do petróleo, que vinha fazendo com que o roubo de carga de óleo perdesse um pouco a atratividade). Também dissemos que a diminuição da pirataria no Golfo de Áden, a partir de 2012, deveu-se a uma boa cooperação internacional no tocante ao incremento da segurança marítima nessa região (entre 2014 e 2018 só foram reportados 4 ataques piratas), por meio do envio de navios e aeronaves para efetuar patrulhas na costa da Somália, como a Operação Atalanta (iniciativa da União Européia, que criou uma Força Naval) e a Combined Task Force 151 (CTF-151) que é uma Força-Tarefa multinacional criada por resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Assim, falamos que começava a haver um aumento da militarização por parte de outros governos, visando proteger os seus interesses nacionais. Com isso, alertávamos que, como a área está no entorno estratégico do Brasil, não havia interesse geopolítico brasileiro na militarização do Atlântico Sul, e se o nosso país pretendia ter protagonismo na sua área de influência, o apoio brasileiro no combate a tais ilícitos em cooperação com os países dessa região seria fundamental para a projeção do país junto aos governos locais, bem como no cenário internacional;


Artigo 2 - "Pirataria no Golfo da Guiné: aumento da militarização no entorno estratégico brasileiro. II parte", de 03 de junho de 2020, que pode ser lido em https://www.atitoxavier.com/post/pirataria-no-golfo-da-guiné-aumento-da-militarização-no-entorno-estratégico-brasileiro-ii-parte, onde falamos da importância da região, em que destacamos:


  • importância da produção de petróleo dessa região para o Brasil, pois possui grande qualidade (Light Sweet Crude Oil, mais fácil e mais barato para refinar comparativamente ao petróleo do Oriente Médio), e a Nigéria é um dos países onde importamos boa parte desse produto;

  • incremento do valor do frete marítimo para o transporte do petróleo proveniente dessa região, devido a insegurança da área, pois as companhias de navegação pagarão por um seguro maior, além de contratação de empresas privadas de segurança para os navios, em alguns casos;

  • o interesse brasileiro de não haver um aumento da militarização no Atlântico Sul, e nem a instalação de bases militares de grandes potências na África Ocidental;

  • a tensão no Estreito de Ormuz entre os EUA e o Irã, com a sempre possibilidade de conflito podendo impactar no escoamento do petróleo pelo Golfo Pérsico, torna a região do Golfo da Guiné estratégica, não só para o Brasil, mas também para os EUA e a Europa, devido a maior proximidade desses mercados;

  • necessidade da Europa em diminuir a dependência do petróleo e gás russos - isso antes do atual conflito da Ucrânia;

  • oportunidade para o Brasil ser o principal ator na solução do problema da pirataria nessa região de interesse geopolítico brasileiro, o que poderá contribuir para a projeção do nosso país como potência regional no Atlântico Sul.


Assim, afirmamos que haveria o aumento da militarização na região, com a implementação de possíveis bases de potências estrangeiras na África Ocidental. Dessa forma, afirmamos que o Brasil, por meio de sua Marinha, possuía experiência em Comando de Força-Tarefa Multinacional (FTM) com ótimos resultados (FTM - UNIFIL), e que aliado aos seus objetivos geopolíticos, e ao bom relacionamento com as nações africanas da costa ocidental, o credenciava para pleitear o Comando de uma futura e possível FTM para o Golfo da Guiné.


Entretanto, em 09 de junho de 2021, a Marinha do Brasil (MB) assumiu o Comando da Combined Task Force (CTF) 151, Força-Tarefa multinacional de combate à pirataria e que provê proteção ao comércio marítimo global em uma área que abrange o Mar da Arábia, Golfo de Omã, Golfo de Áden, costa da Somália e sul do Mar Vermelho - região do Chifre da África (África Oriental) - sendo o primeiro e único país da América do Sul a comandar a CTF 151, o que ratifica a nossa análise sobre a experiência da MB adquirida na FTM - UNIFIL.


Artigo 3 - "Pirataria no Golfo da Guiné: aumento da militarização no entorno estratégico brasileiro. III parte", de 18 de junho de 2020, acessível em https://www.atitoxavier.com/post/pirataria-no-golfo-da-guiné-aumento-da-militarização-no-entorno-estratégico-brasileiro-iii-parte. Nesse artigo comentamos os interesses de alguns atores importantes no cenário internacional no GoG, como: Índia, Turquia, França e China, que são países com poderio militar considerável, e que vêm se afirmando no cenário internacional.


Nesse cenário de aumento da militarização estrangeira na África Ocidental, ocorreu, felizmente, um decréscimo dos eventos de pirataria no GoG. Contribuiu também para isso a resolução 2634/2022 do Conselho de Segurança da ONU, que concitava o apoio internacional, bem como a criminalização e julgamento dos crimes de pirataria e dos roubos no mar pelos países do GoG, e que pode ser lido no Blog por meio do link https://de9abb8c-83aa-4859-a249-87cfa41264df.usrfiles.com/ugd/de9abb_ead72fca1ca9474ca6726d1be5890d6b.pdf .

Tal fato tem feito com que várias Companhias de Navegação estudem a necessidade de manter a contratação de serviços de segurança armada a bordo dos seus navios, e que têm sido acusados de violar leis nacionais e internacionais durante o trajeto e quando chegam no porto de destino.

Logo, vemos que, em que pese não ter ocorrido uma Força Tarefa Multinacional extra-África no GoG, a redução da pirataria tem certa similaridade com o que ocorreu no Chifre na África, onde a repressão e a presença de navios de guerra estrangeiros contribuíram para a diminuição desse crime.


Outra constatação que podemos afirmar é que a redução da pirataria no GoG contribuiu para mudar um pouco a atenção da segurança internacional e regional para as ameaças que estavam acontecendo e que estão ligadas aos crimes transnacionais, que afetam vários países, como tráfico de armas, drogas e humano, bem como a pesca ilegal, que já tínhamos alertado no artigo "Pirataria no Golfo da Guiné: aumento da militarização no entorno estratégico brasileiro. II parte".


Portanto, existe a possibilidade do retorno da pirataria caso haja a diminuição da militarização estrangeira no GoG, ou se os países da África Ocidental não melhorarem, entre si, a coordenação no combate a esse ilícito. É importante dizer que a Nigéria vem tentando assumir o protagonismo africano no combate à pirataria, o que em nossa visão poderá ser uma causa de atrito com a França.


Outrossim, é fundamental que as causas que levam à pirataria e aos demais crimes sejam combatidos, como a diminuição da pobreza e da corrupção locais. Tal afirmação pode ser ratificada pela opinião do Conselho de Segurança da ONU, e pelo representante brasileiro nesse órgão como abaixo:


Although the Gulf of Guinea has witnessed a steady decline in incidents of piracy and armed robbery at sea, more needs to be done to fully operationalize the maritime security architecture, a senior United Nations official told the Security Council today, as speakers called for renewed action to tackle the root causes of piracy (fonte: https://press.un.org/en/2022/sc15113.doc.htm)


JOÃO GENÉSIO DE ALMEIDA FILHO (Brazil) drew attention to his country’s membership in the Zone of Peace and Cooperation of the South Atlantic, as well as its navy’s participation in patrols and joint exercises in the region. “We are working towards the goal of making the South Atlantic a Zone of Peace,” he said, citing the report’s outlining of a decrease, since April 2021, in instances of piracy and armed robbery in the region. This trend stems from a series of factors, including the deterrent effects of increased naval patrols. However, he also highlighted the multidimensional factors that contribute to piracy and armed robbery, including poverty and unemployment, adding that the costs of piracy and armed robbery in the Gulf of Guinea steal resources that could otherwise be used for development. He went on to say that States in the Gulf of Guinea region must continue their efforts to ensure that their legal frameworks align with the 1982 United Nations Convention on the Law of the Sea. (fonte: https://press.un.org/en/2022/sc15113.doc.htm)


É digno de nota que, desde 2021, a MB vem conduzindo a Operação GUINEX que tem o objetivo de incrementar as capacidades de segurança marítima entre o Brasil e os países da região, por meio de exercícios combinados e de adestramento mútuo (fonte: https://www.marinha.mil.br/noticias/fragata-independencia-realiza-operacao-guinex-i). Tal operação ratifica a nossa sugestão e análise constantes no artigo "Pirataria no Golfo da Guiné: aumento da militarização no entorno estratégico brasileiro", de 2020.


O Blog é de opinião que, apesar da redução dos índices de pirataria no GoG, não haverá a redução da militarização nessa região, em virtude da sua importância estratégica que foi potencializada pelo atual conflito da Ucrânia.

Ademais, somos de opinião de que a Operação GUINEX deve ser mantida e ampliada com o intuito do nosso país manter a sua importância geopolítica na África Ocidental, mitigando o aumento da influência de outros países exógenos ao Atlântico Sul. Assim, é importante aprofundar e estabelecer uma parceria com a Nigéria nesse quesito.

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