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Transferência tecnológica no setor de defesa*

Atualizado: 8 de ago. de 2022


Publicado no blog MAR & DEFESA em o7 de agosto de 2022



* Excertos do artigo Transferência de tecnologia, publicado na Revista Marítima Brasileira, v. 142, no. 01/03, jan/mar 2022. Autor: Elcio de Sá Freitas, Vice-Almirante (Reformado) Engenheiro Naval, Mestre em Engenharia Civil e Naval pelo MIT (EUA). Foi Diretor de Engenharia Naval da Marinha de 1985 a 1990. É autor do livro A Busca da Grandeza, onde trata com profundidade o tema deste artigo.


INDEPENDÊNCIA VESUS REDUÇÃO DE DEPENDÊNCIAS TECNOLÓGICAS


Independência tecnológica é propósito a perseguir somente em caso críticos. Se perseguido imoderamente, poderá resultar em colapso financeiro e malogro do desenvolvimento como um todo. Em geral, o possível e indispensável é uma bem planejada redução de dependências. Redução bem planejada e contínua de dependências requer escolhas de rumos e sequências tecnológico-industriais compatíveis com os recursos necessários e os previsivelmente disponíveis. Deve ser a prioridade principal de um país como o nosso. É impossível realizá-la sem formar e utilizar retaguardas técnicas em níveis crescentes, até os mais altos escalões governamentais.


Com todas essas implicações, independência tecnológica tem que ser um propósito constante, mas realista. É um fim que só poderá ser atingido por uma gradual redução de dependências, contínua geração de desenvolvimento e consequente fortalecimento no cenário internacional.


NASCEDOUROS E DESENVOLVIMENTO DE TECNOLOGIAS


Onde costuma iniciar-se uma cadeia tecnológica? Como vimos neste artigo, ela é longa e complexa, exigindo recursos intelectuais e materiais diversos e de lenta maturação. No nascedouro da cadeia tecnológica predominam os recursos intelectuais. Mas, à medida que ela avança, são indispensáveis grandes investimentos, mesmo diante da possibilidade de insucesso. Assim, o nascedouro é normalmente uma instituição de ensino ou pesquisa, ou uma pequena empresa, mas o desenvolvimento ocorre em grandes firmas, laboratórios e instalações de testes e avaliações.


Há casos em que a pequena empresa geradora consegue crescer e permanecer na cadeia tecnológica que gerou. Porém o mais provável é que seu controle acionário passe para outra firma com o capital e o porte necessários para chegar aos produtos finais e comercializá-los. Se esta última for estrangeira, ou mesmo uma empresa nacional sem vocação tecnológica, haverá natural tendência de a tecnologia autóctone gradualmente ser substituída por outra importada. Para minimizar este risco, é indispensável uma política tecnológico-industrial inteligente e atuante.


QUESTÃO CAPITAL


Em termos nacionais, transferência de tecnologia tem dois aspectos distintos: o primeiro é sua ocorrência frequente como instrumento de marketing e de atualizações de empresas; o outro é sua utilização como elemento auxiliar para contínua ascensão tecnológica, particularmente em grandes programas de desenvolvimento e defesa. O segundo aspecto é capital.


A questão mais essencial, urgente e complexa em programas de desenvolvimento e defesa é não desnacionalizar nossa indústria de defesa e decidir bem sobre associações tecnológicas com o exterior. Envolve a indústria e o governo. Requer análises sucessivas de casos, cada uma servindo de base às seguintes, em contínua acumulação de conhecimento e experiência.


Uma empresa tende a falir ou desnacionalizar-se quando a demanda de seus produtos e as condições atuais são insuficientes para cobrir custos de operação, fazer investimentos e gerar lucros. Se a indústria for exclusivamente de defesa, cabe ao governo – seu único cliente e responsável pela defesa do País – detectar tempestivamente essa situação, analisa-la e tomar providências. Essa ação óbvia ocorre em países de vanguarda.


Para agilidade e eficiência, a indústria de defesa deve ser prioritariamente privada. Portanto, pode falir ou ser vendida a estrangeiros. Se falir, se abrirá um flanco em nossa defesa, a não ser que outra nacional a substitua. Vendida a estrangeiros, haveria investimento direto do exterior e produtos tecnológicos inicialmente mais avançados, mas esse progresso aparente seria um retrocesso real. Voltaríamos a ter o exterior como nossa Base Industrial de Defesa. Tecnologias recentes ficariam no exterior. Em geral, pouco ou nenhum interesse haveria em projetar ou fabricar aqui componentes críticos. Embora com produtos inicialmente mais avançados, mas com participação nacional sem alta densidade tecnológica, cessaria nosso esforço para crescente autonomia. Decisões estratégicas sobre nosso desenvolvimento e defesa seriam feitas no exterior. Por conveniências políticas ou econômicas, seríamos cerceados – contingência sempre existente -, mas sem ter cultivado a capacidade de superar cerceamentos. Haveria, enfim, uma aparência moderna para uma dependência antiga. Todas estas considerações também se aplicam, embora abrandadas, às indústrias de defesa com produtos não exclusivamente bélicos.


PRINCÍPIOS PARA ASSOCIAÇÕES TECNOLÓGICAS COM O EXTERIOR


A desnacionalização da indústria de defesa frustra aspirações de desenvolvimento e garantia de soberania e patrimônio. Porém, isolada, nossa indústria de defesa não atingirá altos níveis. São necessárias associações tecnológicas com o exterior. Que tipos de associações? Quando são necessárias? Como realiza-las? Respostas a essas perguntas demandam análises em centros civis e militares de estudos de defesa, mas com participação direta da indústria de defesa. Cabe ao Ministério da Defesa solicitá-las. Alguns princípios são claros:


- Finalidade: A finalidade de absorver tecnologia é progredir tecnologicamente por esforço próprio, mesmo após cessada associação com o exterior. Para isso é indispensável participação intensa do setor técnico-científico nacional;


- Cautela: Não existem soluções garantidas. Entre nações ou empresas, esperem-se apenas cordialidade e interesses convergentes durante algum tempo. Resista-se a slogans sedutores de marketing (“transferências de tecnologia”, “saltos tecnológicos”, “plataformas de e exportação” etc.);


- Esforço: Não existem boas soluções sem esforço próprio, inteligente e contínuo;


- Potencial: Para absorver tecnologia, incluam-se pessoas já com o máximo possível de conhecimento, experiência e estabilidade, tanto no setor empresarial como no segmento técnico-científico. Mais aprende quem mais sabe;


- Flexibilidade: É difícil prever as possíveis contingências, favoráveis ou não, de uma associação tecnológica com o exterior. Convém haver cláusulas contratuais que permitam flexibilidade para superá-las ou explorá-las. Quanto maior o porte, o valor e a duração prevista para a associação tecnológica, mais necessária será a flexibilidade;


- Poder Decisório: O real poder decisório não é diretamente proporcional ao capital financeiro. Depende muito do capital intelectual, sempre maior no país mais avançado;


- Modalidade: A modalidade escolhida deve ser a que melhor atenda ao conjunto de princípios citados. Há várias modalidades de associação tecnológica: instrução e treinamento, assistência técnica ocasional, assistência técnica intermitente, assistência técnica constante, fabricação sob licença, joint venture, assistência mútua e participação acionária. Nesta última, há que se atentar muito à questão do real poder decisório.


CONCLUSÃO


Várias modalidades de transferências de tecnologia já existiam bem antes de se cunhar e vulgarizar a expressão "transferência de tecnologia". Em certos empreendimentos, essas modalidades podem se combinar vantajosamente. Porém, nenhuma delas, nem o seu conjunto, é suficiente para contínua ascensão tecnológica. Esta só pode ser obtida por esforço próprio, vontade firme, decisões inteligentes, tempo e continuidade. No cenário brasileiro, porém, continuidade é o que mais nos falta.

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